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Mais do que jogo: o Brasil das apostas e o preço que ninguém quer pagar

  • Foto do escritor: Isabel Debatin
    Isabel Debatin
  • 13 de mai.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 23 de jun.

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Enquanto milhões perdem dinheiro, saúde mental e dignidade nas apostas online, quem lucra continua fugindo da responsabilidade. É o influenciador que diz “eu só divulgo o que é regulamentado”, é o político que transforma uma CPI em ringue de autopromoção. No centro disso tudo, está o brasileiro comum — apostando a conta de luz na ilusão vendida como estilo de vida.


Recentemente, a influenciadora Virgínia Fonseca foi ouvida na CPI das Bets. Chegou amparada por um habeas corpus, mas resolveu falar. Disse que só divulga empresas regulamentadas pelo CONAR — como se isso bastasse. Como se a regulamentação anulasse os dados de endividamento, as tentativas de suicídio, os lares destruídos.


Ser regulamentado não apaga o que está acontecendo. Porque não é sobre legalidade. É sobre o impacto real que essa indústria causa na vida de pessoas comuns, gente que aposta o pouco que tem porque foi convencida de que é possível enriquecer assim. A comparação com a Mega Sena não cola. A diferença é que ninguém tem a Mega Sena nas mãos o tempo todo, com luzes verdes e notificações piscando a cada segundo. Ninguém tem um influenciador dizendo para apostar na Mega com um cupom de desconto.


O mais vergonhoso foi o que veio depois. Políticos pedindo vídeos para a filha no meio da sessão, trocando elogios com a influenciadora nos stories, ganhando seguidores enquanto deveriam estar fiscalizando. A CPI virou palco. Um colégio. E quem deveria ser ré, virou protagonista.


É uma vergonha para o Senado. Uma vergonha pública. Quem deveria conduzir um processo sério de investigação se aproveitou da audiência para fazer moralzinha nas redes. Político que se comporta assim não merece representatividade. Muito menos voto.


As bets não vendem apenas apostas. Vendem esperança. E é por isso que tanta gente em situação de vulnerabilidade acaba se sentindo atraída. Para quem está no limite, qualquer chance de sair dali parece viável. Ainda mais quando essa chance vem travestida de lifestyle, de lucro rápido, de “entrou hoje, ganhou amanhã”. É uma ilusão vendida com cenário bonitinho e uma falsa autoridade.


Conheço pessoas que jogam. Pessoas que já ganharam. Mas também pessoas que perderam muito. E a conta nunca fecha. Porque é programado para não fechar. Alguém sempre perde. E quem perde não é quem joga alto. É quem joga o dinheiro do mercado, da luz, da água. Cem ou duzentos reais que fazem falta. Que não voltam. Que deixam contas descobertas.


Em agosto de 2024, mais de 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família destinaram R$ 3 bilhões às bets via Pix, o que representa cerca de 21% do valor total repassado pelo programa naquele mês, segundo o Banco Central. Em abril de 2025, 77,6% das famílias brasileiras estavam endividadas. Entre aquelas com renda de até três salários mínimos, o número sobe para 81,1%, dados divulgados pela CNC. Mesmo assim, apostas online seguem sendo promovidas como solução mágica. A conta não fecha, e quem banca o prejuízo são sempre os mesmos.


O SUS também sente o impacto. O número de atendimentos a dependentes de apostas aumentou sete vezes desde 2020, especialmente entre mulheres, de acordo com uma reportagem da Folha de São Paulo. São histórias de vício, adoecimento, tentativas de suicídio. E tudo isso segue acontecendo com o aval de quem divulga e se omite. Porque quando você diz que algo é bom e influencia outras pessoas a usar, você se responsabiliza.


Como criadora de conteúdo, recebo propostas absurdas de apostas todos os dias. E me revolta saber que tantos estão aceitando. A ganância e a falta de juízo fazem com que muitos vejam nisso uma oportunidade. Mas é uma oportunidade construída sobre a perda do outro. Sobre a pobreza do outro. Não é justo. Não é ético. É inadmissível.


A aposta, no fim, é sobre valores. Sobre ética. Sobre o que a gente decide normalizar em troca de visibilidade, engajamento ou dinheiro fácil.


E a gente precisa decidir, com urgência, de que lado da história quer ficar.

 
 
 

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